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sábado, 31 de agosto de 2013

TERRAS ÍNDIGENAS 1

Terras indígenas


Mapa de terras indígenas brasileiras.
Segundo a legislação brasileira, as terras indígenas são as terras tradicionalmente ocupadas pelos indios, habitadas em caráter permanente, utilizadas para as suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e para a sua reprodução física e cultural, de acordo com seus usos, costumes e tradições. No texto da Constituição de 1988 em vigor, a terras indígenas são declaradas bens da União, são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos dos índios sobre elas não caducam.
Historicamente os povos indígenas do Brasil sofreram uma série de abusos que levaram muitos à extinção ou ao declínio acentuado. Muitos povos foram expulsos de suas terras, e até hoje seus descendentes não as recuperaram. A demarcação está sujeita a uma série de normas legais, e suas premissas são objeto de intenso e inconclusivo debate entre vários setores conflitantes da sociedade.
Os direitos dos índios à preservação de suas culturas originais, à posse de suas terras e ao desfrute exclusivo de seus recursos são garantidos constitucionalmente, mas na prática cotidiana a efetivação desses direitos tem se revelado difícil e pouco produtiva, sendo cercada também de violência e muitos crimes, que têm originado inúmeros protestos e intermináveis disputas judiciais. Já existem muitas áreas consolidadas, mas muitas outras estão à espera de identificação e regularização, deixando diversos povos em difíceis condições de sobrevivência.

Amparo legal

Origens

Registro de um dos massacres a que os indígenas americanos eram comumente submetidos pelos conquistadores europeus. Gravura de Theodor de Bryincluída na Brevíssima Relación de la Destruyción de las Indias (1552), do padre Bartolomé de Las Casas.
Os primeiros humanos a habitar o que viria a ser o Brasil chegaram àquela terra há milhares de anos. Desde lá se enraizaram, desenvolveram diferentes e ricas culturas, e em 1500 calcula-se que viviam ali de 2 a 5 milhões de pessoas.2 3 Naquele ano, porém, chegaram ao litoral conquistadores vindos da Europa, os portugueses, que impuseram sua dominação sobre todos, neste processo fazendo os habitantes originais da terra passarem por uma série de abusos sistemáticos, que incluíam assassinatos em massa, tortura emiscigenação forçada, escravizando povos inteiros e dizimando muitos outros, empurrando os sobreviventes cada vez mais para os ermos do interior, construindo em seu lugar uma civilização inteiramente distinta e um vasto Estado, onde os subjugados eram tidos como raça inferior nascida para ser dominada e manipulada ao arbítrio dos colonizadores, não tinham direitos e muitas vezes não eram sequer vistos propriamente como humanos.4 5 6 3
Embora houvesse entre os portugueses, especialmente membros do clero e missionários, quem se horrorizasse com as atrocidades e buscasse defendê-los,7 6 e embora desde 1537 a Igreja Católica reconhecesse que eles eram "verdadeiros homens",3 na prática, durante muito tempo, os primeiros povos geralmente foram considerados compostos de seres brutos, insensíveis aos apelos da razão e dos bons sentimentos, mais próximos dos bichos do que dos homens, e muitos duvidavam que possuíssem uma alma. Ao longo do processo de colonização foram muitas as iniciativas dos europeus no sentido de "domesticar" os povos nativos, fixando-os em aldeias permanentes semelhantes a vilas e assimilando-os à civilização ocidental, ensinando-lhes a religião e os usos e costumes dos colonizadores, sempre na perspectiva de que sua cultura era desprezível e devia ser substituída por outra mais "elevada", que lhes prometia também a salvação espiritual e a vida eterna após a morte.8 9 10 11 12 6 O impacto da conquista foi profundo não só sobre os primeiros povos, como também sobre a paisagem natural, verificando-se extenso desmatamento e outras modificações no meio ambiente.13 14 Na síntese do ex-presidente da FunaiCarlos Marés de Souza Filho,
Um missionário com índios Tapuiaaldeados, em gravura de Rugendas do início do século XIX.
Combate entre milícias e indígenas, gravura de Rugendas.
"Os europeus, especialmente os portugueses e espanhóis, chegaram na América como se estivessem praticando a expansão de suas fronteiras agrícolas. Foram chegando, extraindo as riquezas, devastando o solo e substituindo a natureza por outra, mais conhecida e dominada por eles. As populações locais viviam do que a aqui tinham, comiam milho ou mandioca, produziam biju, ricas carnes de animais nativos, aves ou peixes. Aos poucos foram introduzidas novas comidas, cabras, carneiros, queijos e novas plantas, cana-de-açúcar, café e beterraba. A introdução de novas essências não poupou nem mesmo as árvores e os frutos, a tal ponto de se dizer que a natureza foi substituída".6
As reduções estabelecidas pelos missionários, especialmente os jesuítas, onde os índios eram reunidos em comunidades relativamente auto-suficientes sob a proteção dos padres e da Coroa, foram a tábua de salvação para muitos povos, que ali foram poupados de muita barbárie, mas inúmeras reduções foram de qualquer modo destruídas pelos colonizadores e seus integrantes foram mortos ou escravizados, e se discute o real valor dessa proteção enquanto durou, já que significou ao mesmo tempo a dissolução das culturas tradicionais e a conversão dos índios ao modo de vida europeu.6 8 10 9 7
Em 1680 apareceu o primeiro instrumento legal para a proteção do direito dos índios às suas terras na forma de um Alvará Régio, reconhecendo que eles eram os naturais possuidores do território. Porém, o Alvará teve escasso efeito, e o resultado foi a continuidade do avanço europeu sobre as terras virgens. O próprio Estado português, de onde emanou o Alvará, favorecia a exploração, ativa ou passivamente. Por exemplo, oRegimento das Missões, de 1686, fixava normas para os aldeamentos mantidos pelos missionários, as reduções; o Diretório dos Índios, de 1757, reprimia a expressão de muitos de seus costumes tradicionais e encaminhava o processo de secularização das reduções após as expulsão dos jesuítas,4 e uma Carta Régia de 1798, embora estendesse o estatuto de cidadão aos índios civilizados, os remetia à condição de vassalos da Coroa, e declarava órfãos os índios ainda nas selvas, que deveriam ser tutelados pelo Estado, podendo todos ser requisitados a qualquer momento para trabalho forçado.3 Outra Carta Régia, de 1801, permitia a conquista de novas terras aos índios nas chamadas "guerras justas", aquelas destinadas a submeter pela força os povos recalcitrantes à dominação colonial, transformando-as em terras devolutas.4 No final do processo da colonização, estima-se que a população indígena havia declinado para cerca de 600 mil pessoas, vivendo em grande parte em condições de opressão e miséria.3
Índios escravizados no século XIX.
No Império a situação não melhorou. Mesmo que neste período os índios tenham recebido mais valor no discurso oficial, sendo vistos como os fundadores arquetípicos da nação, povos puros vivendo em harmonia com a natureza, a ponto de os imperadores usarem um manto cerimonial com uma gola de penas de tucano para fazer alusão aos povos da floresta como legítimos participantes de uma nova unidade nacional, e mesmo que eles tenham recebido até uma forma de culto mitificado por alguns intelectuais e artistas românticos — os indianistas —,15 16 17 ainda eram considerados incapazes diante da Lei, cabendo ao Estado catequizá-los e civilizá-los,6continuavam sendo mortos, escravizados e explorados,3 e continuou a prática de confiná-los em pequenas áreas no entorno de suas aldeias, que não ofereciam condições de lhes prover plena subsistência,4 isso quando as aldeias não eram extintas por decreto, alegando-se que seus ocupantes já faziam parte da população brasileira.3 Em 1850 foi aprovada a Lei de Terras, a primeira lei que regulamentou a propriedade privada no Brasil, assegurando também aos índios o direito territorial, mas outras leis entregavam a posse de terras tradicionais a posseiros brancos se fossem categorizadas como vagas por simples declaração pessoal dos interessados na posse, o que só serviu de pretexto para expulsões de comunidades inteiras para apropriação fraudulenta de suas terras.4
Ao inaugurar-se a República, os positivistas se mostravam muito interessados pelos povos indígenas, vendo-os como nações com direito à autodeterminação, mas em que pese a influência do Positivismo àquela época sobre a política nacional,3 na primeira Constituição da República, de 1891, os índios nem foram citados, nem seus direitos territoriais foram reconhecidos,4 embora algumas constituições estatuais lhes outorgassem alguns direitos territoriais.3 Pela mesma Carta as terras devolutas, até então submetidas diretamente à União, foram entregues aos estados. Como muitas terras indígenas estavam incluídas nesta categoria, se criaram condições para a grilagem, a ocupação ilegal, sendo expedidos inúmeros títulos estaduais de terras para ocupantes brancos, incluindo em zonas de fronteira, áreas excluídas no remanejo original das terras devolutas. O governo federal só demarcava terras indígenas após entendimentos com os governos estaduais e municipais, agravando a política de confinamento. Sem condições de sobreviver em suas pequenas reservas, muitos índios se viram obrigados a deixá-las para buscar sustento entre os brancos, como operários da construção ou na agropecuária, uma mão-de-obra desqualificada e barata que podia ser maltratada e dispensada a qualquer momento sem qualquer amparo ou garantia.4
Em 1908 ainda havia personagens influentes, como o diretor do Museu PaulistaHermann von Ihering, advogando a ideia de que os índios que não se sujeitassem à civilização deviam ser exterminados. Mas no mesmo ano o Brasil pela primeira vez foi denunciado em um fórum internacional por massacrar seus índios. Este foi um dos fatores que levaram o governo a criar, em 1910, o Serviço de Proteção ao Índio, dirigido em seus primeiros tempos pelo Marechal Cândido Rondon, que era descendente de índios, permaneceu simpático à causa indigenista e foi grande defensor de seus direitos e dignidade. O Serviço também garantiu a posse de algumas terras tradicionais aos seus primeiros ocupantes e as protegeu contra invasões, bem como em alguma medida reconheceu a importância de suas culturas originais e suas instituições. No entanto, com a promulgação em 1916 do Código Civil foi consagrado mais uma vez o estatuto dos índios como incapazes diante da Lei, submetendo-os ao regime de tutela, que só cessaria quando estivessem adaptados à civilização. Nos anos seguintes as atividades do Serviço, na prática, embora impedissem muitos massacres que se julgavam iminentes, se dirigiram mais para pacificar os indígenas ainda não contatados, aculturá-los e transformá-los em pequenos produtores rurais.3 6
Índios Camaiurá tocando a flauta uruá no pátio da aldeia, no Parque do Xingu.
Corrigindo a omissão da Constituição de 1891, a Constituição de 1934 e todas as seguintes reconheceram o direito dos índios à posse das terras que habitam.18 Nos anos 1950-60 o interesse pelos índios se tornava mais forte entre antropólogos, sociólogos, etnólogos, historiadores, ambientalistas e filósofos, e figuras como Darcy Ribeiro e os irmãos Villas Boas fizeram muito para dar mais visibilidade e angariar mais respeito para os povos indígenas, denunciando sua condição de opressão e abandono e salientando a riqueza e originalidade de suas culturas.6 5 3 A esta altura, porém, a população total de índios havia caído para cerca de 120 mil indivíduos, e continuava em declínio.3 Em 1961 foi criado oParque Nacional do Xingu, uma vasta área de conservação natural onde vivem muitos povos nativos, que rompeu com o paradigma anterior tendo como premissa o direito dos povos de preservarem suas culturas defesos da influência da civilização ocidental, e no ambiente natural necessário para que essa preservação se verifique integralmente.4 5
Outros instrumentos reforçaram a proteção durante o regime militar, como a Emenda Constitucional nº 1/69 à Constituição de 1967, que estabeleceu as terras indígenas como patrimônio da União, afastando algumas das ameaças de esbulho mais urgentes. Também reconheceu o direito dos índios ao usufruto exclusivo dos recursos naturais existentes em suas terras, o seu direito de representação jurídica, e declarou a nulidade dos atos que incidissem sobre a posse das terras indígenas, invalidando os argumentos baseados sobre supostos direitos adquiridos. Essas medidas foram origem de grande controvérsia, sendo consideradas ameaças à propriedade privada, num período em que o Serviço de Proteção ao Índio se via alvo de inúmeras denúncias de irregularidades. O Serviço acabou sendo extinto em 1967, sendo substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Tentando conter as críticas, o governo prometeu dedicar mais atenção aos povos nativos, o que acabou levando à criação do Estatuto do Índio, mas por outro lado, muitas aldeias foram removidas para a construção de infraestrutura, como estradas e barragens, e muitos privados foram autorizados a explorar recursos em suas terras.4



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